O descarte incorreto do lixo no mar, na praia e nos rios representa uma grande ameaça à saúde e à vida dos animais marinhos. O biólogo da Univille, Aurélio Gonçales Bezerra, técnico de campo do Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS), realizou um estudo específico sobre o tema na sua monografia de bacharelado em Biologia Marinha. Durante um ano, examinou 365 carcaças de animais marinhos encontrados encalhados mortos no litoral norte de Santa Catarina ou que vieram a óbito após tentativa de reabilitação na Unidade de Estabilização de Animais Marinhos da Univille, localizada em São Francisco do Sul. O objetivo desta análise, que contou com a orientação da doutora Marta Cremer, coordenadora do PMP-BS/Univille, foi identificar, quantificar e comparar os tipos de lixo presentes nos sistemas digestivos dos animais. O resultado da pesquisa foi impressionante: do total de indivíduos analisados, 36,71% haviam ingerido resíduos sólidos como plástico flexível, plástico rígido, linha de nylon, anzol, polietileno tereftalato (PET), poliestireno (isopor), tampa de garrafa, tecido, curativo e balão de festa.
Passaram pela triagem 135 tartarugas, 175 aves e 55 mamíferos, durante o período de agosto de 2015 a agosto de 2016. Os artefatos de pesca e peças de plástico foram os itens mais representativos entre os mamíferos e as aves. Todas as espécies de tartarugas marinhas analisadas apresentaram indivíduos com resíduos sólidos em seus tratos gastrointestinais, sendo a tartaruga verde (Chelonia mydas) a espécie com a maior frequência de ocorrência (66,94%). Esta espécie se destacou também por apresentar maior presença de peças de plástico (62,81%), seguido dos artefatos de pesca (48,76%).
“Observando a ocorrência relativamente alta de resíduos presentes no sistema digestivo por todos os grupos de tetrápodes marinhos analisados, é possível considerar este como sendo um fator de preocupação pelo perigo que peças de plástico e artefatos de pesca representam para a conservação da biota presente na região. Aves, mamíferos e tartarugas marinhas, que ocupam vários nichos e diferentes profundidades do oceano, tiveram confirmada a presença de resíduos sólidos em seus sistemas digestivos”, ressalta o biólogo.
Estima-se que cerca de 8 milhões de toneladas de lixo plástico sejam lançadas nos oceanos anualmente (dado divulgado num encontro promovido Associação Americana para o Avanço da Ciência). Um número alarmante e que, sem dúvida, impacta significativamente a vida marinha. O fato é que os animais acabam ingerindo lixo, seja porque confundem com comida, seja porque o lixo está entremeado com o alimento no ambiente (situação comumente observada entre tartarugas-marinhas que se alimentam na costa). De acordo com Leonardo Soares Drumond, veterinário e responsável técnico da equipe PMP-BS/Univille, no caso de tartarugas, por exemplo, a ingestão de lixo causa um desequilíbrio completo no organismo do animal. A digestão não é realizada e o trânsito gastrointestinal fica comprometido, o que pode levá-lo à morte. “Quando está no estômago, o lixo dá uma sensação de satisfação na tartaruga, então ela para de se alimentar e começa a emagrecer. Geralmente, as tartarugas chegam aqui bem magras ou caquéticas. Ao passar para o intestino, o lixo pode gerar um fecaloma (endurecimento das fezes) e o animal pode ficar desidratado. Então, a tartaruga, além de não conseguir defecar, fica suscetível a uma série de complicações e enfermidades”, explica o veterinário.
Daí a importância da conscientização sobre a responsabilidade socioambiental que cada ser humano deve exercer no dia a dia. Para Aurélio Gonçales, autor do estudo, é preciso que a sociedade tenha a consciência de que aquele resíduo jogado ou esquecido na praia, no mar e no rio, demora anos para se decompor e contribui para a morte de centenas de animais marinhos. O biólogo acredita que o único método disponível atualmente para reduzir as taxas de ingestão de resíduos sólidos pela fauna marinha é uma diminuição significativa das suas fontes e da entrada destes resíduos no ambiente marinho e costeiro. Aurélio defende que estratégias jurídicas previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos deveriam ser aplicadas com a finalidade de controlar a geração de resíduos sólidos, além do desenvolvimento de políticas eficientes para garantir a destinação adequada destes resíduos. “Em diferentes partes do mundo políticas têm sido consideradas visando reduzir a entrada global destes resíduos de origem antrópica no ambiente natural. Qualquer redução na quantidade de resíduos sólidos que entra no ambiente pode ser vista como uma forma de benefício a longo prazo, reduzindo os impactos potenciais futuros de resíduos em muitos organismos”, explica Gonçales.
Porém, o biólogo alerta que, embora as políticas para reduzir a entrada de resíduos sólidos no ambiente possam ser úteis, poucas políticas foram construídas para avaliar e abordar os impactos globais dos resíduos já existentes no ambiente. “Uma vez que alguns destes itens podem durar décadas ou mais no ambiente, eles provavelmente continuariam disponíveis para a potencial ingestão por diversos organismos através de múltiplas gerações. Mesmo que o fluxo de resíduos sólidos para o oceano seja cessado, itens que já estão disponíveis no ambiente marinho continuarão a impactar os organismos nas próximas décadas”. Por isso, o autor enfatiza a importância da continuidade de pesquisas que quantifiquem as concentrações de resíduos ingeridas pelos organismos marinhos e que ao mesmo tempo avaliem os impactos que os resíduos sólidos (incluindo os tipos de resíduos mais "impactantes") podem causar sobre as diferentes espécies que compõem a fauna marinha.
O Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS) atua no resgate de animais marinhos vivos que estejam debilitados e de animais marinhos mortos para a realização de necropsia e coleta de amostras para análises. Caso alguém aviste uma ave, tartaruga ou mamífero marinho encalhado na praia, vivo ou morto, a orientação é para que entre em contato pelos telefones 0800-642-3341, (47) 3471-3816 ou (47) 99212-9218. O PMP-BS é uma atividade desenvolvida para o atendimento de condicionante do licenciamento ambiental federal das atividades da Petrobras de produção e escoamento de petróleo e gás natural no Pólo Pré-Sal da Bacia de Santos, conduzido pelo Ibama.